domingo, 13 de outubro de 2013

Cap. 2 – As lágrimas de um palhaço.

Semanas depois, eu fiquei imaginando aonde eu iria achar outra história tão boa como a do Michael. Gostaria muito de encontrar uma pessoa que parecesse comum e que tivesse algo de surpreendente atrás de seus olhos.  No final de semana, eu fui convidado pela minha sobrinha Sara, de cinco anos, a ir assistir ao espetáculo do circo que tinha chegado à cidade.  Achei aquilo um tanto interessante, um circo ter chegando justamente naquele momento da minha vida e resolvi imaginar que os bons ventos da sorte trouxeram mais essa idéia para mim. O circo poderia ser um lugar bastante incomum para o meu dia-a-dia já que raramente fui ao circo, e lá poderia haver pelo menos uma pessoa com uma história interessante para contar.
A magia no ambiente do circo, num bom circo de espetáculos é impressionante, não é? Eu estava lá admirado com as apresentações. A ultima vez que tinha ido a uma apresentação dessas tinha sido quando criança e isso já fazia muito tempo! Se bem que costumo acreditar que de um jeito ou de outro a gente nunca deixa de ser criança, pelo menos não todos.
O que mais gostava era dos palhaços, essa habilidade de fazer as pessoas rir a vontade e esquecerem pelo menos um pouco dos problemas e crueldades da vida cotidiana. Eu notava a alegria brilhando nos olhos deles por trás da maquiagem nas cenas cômicas que me faziam chorar de rir – é eu tenho que confessar, eles eram realmente engraçados – se bem que bem no fim da apresentação eu pude perceber que  dos três palhaços presentes no picadeiro, um, o mais velho por sinal, começou a derramar lágrimas pouco antes de sair dali. Eu fiquei curioso e de certa maneira assustado por não saber o que tinha acontecido e mais o que levaria a um palhaço normal chorar – normal eu disse! -  a gente as vezes se esquece que os palhaços, são artistas, mas eles também são pessoas como nós, que tem suas tristezas, suas desilusões, frustrações, tudo como uma pessoa  humana comum. Eu resolvi deixar minha irmã e sobrinha por um tempo para ir atrás da lona do circo e procurar pelos palhaços, eu precisava saber o que tinha acontecido – quem sabe não encontraria uma boa história ali pra ouvir?

- Com licença, aonde eu posso encontrar os palhaços do circo, gostaria de falar com eles. – perguntei a um vendedor de algodão doce – sou jornalista e to atrás de uma boa história para ouvir e depois contar a meus leitores.
Ele apenas apontou para um trailer que ficava um pouco afastado do local onde se realizava os espetáculos, depois de agradecer, me dirigi até lá e bati na porta.
Um homem velho de cabelos brancos, com uma maquiagem de palhaço ainda no rosto abriu a porta e pediu-me para entrar depois de eu me apresentar a ele. Fiquei surpreso por aquele homem ser um dos palhaços que tinha visto há pouco na apresentação do circo.

- Perdoe-me o incomodo senhor... Eu sou um jornalista, trabalho no jornal local da cidade e não pude deixar de perceber durante o fim da sua apresentação que o senhor teria derramado lágrimas, acredito que não esteja enganado. Fiquei curioso pelo fato de um palhaço que tanto sabe fazer as pessoas rirem, teria um motivo pra chorar. E fiquei pensando se o senhor se importaria de contar sua história pra mim, o motivo de suas lágrimas. Apenas se sentir a vontade para isso, se não quiser não tem problema algum acredite. – ele ficou me ouvindo em silêncio. Olhando para o espelho enquanto retirava sua maquiagem. Eu estava sentando em sua cama, o trailer era pequeno não cabia muita coisa, mas tentei ficar o mais a vontade possível.

- Pessoas sofrem tanto na vida que quando riem por causa de palhaços que acabam esquecendo-se de seus problemas e os problemas dos outros. Inclusive dos próprios palhaços que não passam de pessoas tão comuns como os espectadores.  Que tem suas tristezas, e sofrimentos causados pela vida. Eu por exemplo, estou cansando de chorar aqui sozinho neste meu trailer vazio. A minha vida nunca foi fácil. Nasci numa família pobre, sem condições nem de alimentar o próprio estomago. Cresci em meio às ruas mendigando moedas para comprar alguma coisa para comer não só para mim, mas para meus pais também. Quando não conseguia, roubava quem eu visse que fosse fácil tirar algo rapidamente e sem correr o risco de ser pego. Roubava para sobreviver, não por malicia nem ambição. Chegou um momento que não tive escapatória e acabei sendo levado por policiais pra delegacia e de lá fui mandando para um reformatório, por ainda ter 14 anos. Não durei muito tempo lá, acabei desagradando alguns colegas por lá e eles me batiam com freqüência, tentava ao Maximo fica no meu lugar, mas era quase impossível, quando eles não tinham motivo, me batiam por diversão. Chegou certo momento que não agüentei e acabei revidando erradamente, ou seja, acabou não dando certo, resolvi então fugir de lá.
Não sei se foi Deus, ou apenas um dia de sorte. Mas naquela mesma semana, um circo tinha chegado à cidade depois de muito tempo fora. Eu tinha acabado de dobrar a esquina da rua do reformatório e corria para o mais longe que eu pudesse para que quando dessem por minha falta, não pudessem me alcançar. Estava nervoso, pois não queriam que me pegassem e me fizessem voltar pra lá. Seria viver um inferno novamente. Quando conseguir alcançar o centro da cidade, estava com muita fome, cansando. Comecei a pedi comida nos bares e restaurantes próximos ali de onde eu estava. Muitos me enxotavam com xingamentos e outros nem se quer me olhavam direito.  Resolvi me sentar um pouco numa calçada em frente a um bar para descansar e depois ir atrás de outros lugares onde pudesse achar alguém bondoso que pudesse me ofertar um pouco de comida. Estava de cabeça baixa perdido em meus pensamentos, tentando resolver o que faria a parti dali, quando olhei para frente e surpreendi-me com um rapaz que aparentava ter quase 25 anos ou até mais vindo em minha direção.
- Olá rapazinho. Está precisando de ajuda? – perguntou-me ele sorrindo delicadamente para mim.
Eu estava sem jeito, era a primeira vez que alguém notara minha presença amavelmente falando.
- Parece que sim, já que não consegue nem falar por si mesmo. É mudo? – perguntou-me rindo.
Tentei esconder minha timidez e responder a ele da melhor maneira que pude:
- Não senhor.
- Então refaço a pergunta que fiz primeiro: está precisando de ajuda? – disse ele se sentando ao meu lado.
- Sinceramente senhor, sim. Estou com muita fome, e não tenho para onde ir nem onde ficar.  Não sei o que fazer, estou sem rumo. Eu só queria um lugar pra ficar e comida só isso não quero muito sabe? Por que a vida é tão injusta com a gente senhor? Por quê? – acabei desabafando com ele quase chorando.
Ele humildemente colocou os braços em meu ombro. Fiquei surpreso com aquilo. Ninguém nunca tinha feito aquilo, nunca comigo. Olhei-o com os olhos cheios d’água e perguntei-me se era um anjo vindo do céu para consolar minhas aflições. Quando fiz essa pergunta a ele, ele riu e disse:
- Não rapazinho, sou apenas um simples palhaço. Que aprendeu a espantar suas tristezas colocando sorriso no rosto das pessoas. E por isso você vai parar de dizer senhor quando se referir a mim pode dizer apenas e simplesmente o meu nome: Antonio Emanuel, ou só Antonio ou só Emanuel você escolhe. A propósito, qual é mesmo o seu nome?  – disse-me colocando uma bola vermelha em seu nariz, e dando um grande sorriso com uma careta engraçada.
Eu ri. Tinha que admiti, ele era ficava muito engraçado fazendo aquela careta com o nariz vermelho.
- O meu nome é Domingues, é um enorme prazer em conhecê-lo Antonio! – disse-lhe já que não poderia jamais esquecer minha educação e gentileza não é mesmo?
- O prazer é todo meu Domingues. Ta vendo? Assim as coisas ficam bem melhores! Nada como um belo sorriso, e isso você tem de sobra! Vamos, vou te levar para comer, e te apresentar para meu patrão, eu acredito que você vai se dá bem aonde eu trabalho. Isso se você quiser claro. – perguntou-me se levantando e me olhando querendo saber minha resposta.
- Seria maravilhoso Antonio. Ia realmente adorar, mas aonde você trabalha? – perguntei levantando-me.
- Ora mais! Aonde mais eu trabalhararia? Em um circo, ora bolas! – disse rindo e começando a caminhar.
Eu o segui rindo pelo meu momento de ingenuidade ou de leso mesmo.
No caminho veio-me a curiosidade de saber o que um palhaço de circo estaria fazendo numa rua como aquela, e resposta mais uma vez era óbvia de certa forma.
- bom meu querido, apesar de trabalhar com um palhaço a noite, de dia eu sou uma pessoa normal como qualquer outra né? Gosto de passear, comer, conhecer gente, lugares novos. Por isso sempre que paramos em um lugar novo, na minha primeira folga que tenho eu venho conhecer o centro da cidade.  – disse ele enquanto nos sentávamos para comer numa mesa de um restaurante simplesinho.
Quando finalmente chegamos ao circo, pude perceber que era um circo de porte médio, mas muito aconchegante eu senti, parecia uma volta para casa depois de muito tempo, era isso que eu sentia mesmo não sabendo o porquê daquilo já que nunca tinha ido a um circo antes na minha vida inteira. Antonio me levou logo a falar com o dono do circo para apresentar-me a ele, e ver se me aceitaria como morador e artista do circo.

- O que você acha que ele poderia fazer aqui no circo? – perguntou a Antonio, o dono do circo olhando para mim com um sorriso um tanto curioso. Ele era um homem gordo, de poucos cabelos pretos e um bigode fino no rosto. Parecia ser gente boa, a meu ver, mas não poderia saber a resposta até que convivesse com ele o bastante, e só ele poderia dizer se isso ia acontecer (ou não!).
- Bem Adolfo, você soube que o Afonso stá a fim de se aposentar e talvez fique só na bilheteria como ele tem feito ultimamente. Ele não tem mais a condições de apresentar os espetáculos como antes. E acho que o garoto pode ser um bom aprendiz. Faço uma aposta nele. – disse Antonio olhando para mim e sorrindo alegre.
Eu fiquei calado ouvindo. Não queria estragar o grande favor que Antonio estava fazendo por mim. Então só fiquei fazendo aquilo que eu sempre fazia: ficar observando, quando fui surpreendido pelo Senhor Adolfo a se dirigir diretamente para mim.
- E você rapazinho, como é mesmo seu nome? – olhou para mim curiosamente.
Fiquei um pouco nervoso, mas conseguir dizer meu nome.
- Domingues é? Gostei de seu nome. – disse abrindo um grande sorriso e se encostando à cadeira onde estava sentado – agora quero saber de você, Domingues, o que acha, será que poderia ser um bom aprendiz e aprender a ser um grande palhaço e seguir os passos do seu companheiro ai – disse olhando para Antonio.
Eu dei uma olhei nos olhos de Antonio e quando ele me sorriu, eu disse convicto:
- Tenho certeza que sim! Farei o meu melhor Senhor Adolfo. Pode confiar!
- Então vamos ver! Vou confiar em você e no meu velho amigo aqui, vamos ver do que você é capaz! Por enquanto, seja muito bem vindo ao Grande Circo Kabalahara! – disse abrindo um largo sorriso e com um brilho no olhar.

A noite, fui convidado por Antonio, a assistir o espetáculo do circo de camarote bem perto do palco, e eu fiquei muito agradecido. Seria a primeira vez que iria assistir a uma apresentação de um circo e estava ansioso por assim dizer. Eu fiquei realmente encantando com todos os espetáculos: malabaristas, mágicos, trapezistas e é claro o que mais gostei: os palhaços. Fizeram-me rir como nunca. E vi que realmente Antonio era um ótimo palhaço e que com isso era muito bem visto por todos, amigos de circo e espectadores.
Eu realmente fiquei feliz de ter encontrado alguém que se importasse comigo, e um lugar onde fosse bem recebido. Com o passar do tempo, Antonio foi me ensinando cada vez mais como ser um bom palhaço, de executar totalmente a Arte de Ser um bom palhaço, a aprender a esconder toda tristeza, sofrimento, e usar isso em riso, e fazer os outros rirem e você rir também.

- Com o passar do tempo você vai se aprimorando, vai conseguindo utilizar a tristeza em seu peito e transformá-la em algo engraçado para fazer rir. Quando a dor se aproxima de nós, e rimos em vez de chorar, ela se ameniza e até mesmo nem surte efeito em nós. As coisas ficam mais fácies, melhores. – disse-me ele uma vez em um ensaio no picadeiro.

Foi algo que nunca esqueci, e sempre lembrava quando ele me ensinava uns truques de improviso e quando eu ensaiava com ele cenas das apresentações. Eu quando não estava fazendo isso, eu ajudava na limpeza e arrumação dos espetáculos do circo quando era necessário. Fui ganhando cada vez mais a confiança do senhor Adolfo e do resto dos artistas do circo e o direito de ficar com eles.
Eu dormia no trailer de Antonio, era pequeno para nós dois, mas era confortável, agradecia imensamente tudo o que Antonio tinha feito por mim até ali. Ele era pra mim um irmão mais velho que nunca tive. Toda noite, deitado num colchão no chão do trailer ficava a ouvir sempre Antonio ouvindo e cantando músicas francesas que ele gostava tanto, sempre me dizia que as músicas francesas eram júbilos de amor só pela pronuncia de suas palavras e que encantavam a alma dele totalmente e o fazia agradecer por viver e ter a oportunidade de poder ouvir essas músicas. Era agradável ver e ouvi-lo cantando, não só porque ele tinha uma boa voz, mas pela oportunidade de vê-lo feliz com alguma coisa. Gostava de muito de sua companhia, aprendia muito sempre que conversávamos. Todo dia sentávamos nos degraus do trailer para tomar uma xícara de café bem quente, coisa que ele adorava tanto quanto as músicas francesas. Curioso em saber a sua história, indaguei-o a perguntar como ele tinha vindo parar ali, e fiquei surpreso com sua resposta.

- Eu era assim como você Domingues, um órfão sozinho nas ruas dependendo das esmolas e caridades dos que passavam a minha volta, até que um belo dia eu me deparei com o Adolfo. Ele me trouxe para cá e me ensinou tudo o que eu sei. Mais isso foi há muito tempo. Naquele dia que encontrei você, estava saindo de um bar, quando vi você sentado no parapeito da calçada. Vi em você, em seus olhos, o mesmo menininho solitário dependente de ajuda que eu havia sido anos atrás. Por isso não hesitei de ir ao seu encontro ver uma forma de te ajudar. Somos mais parecidos do que você imaginava não? – perguntou-me dando um sorriso e bebendo um gole de seu café.

Eu o olhei admirado. Cada dia ele me mostrava mais um pouco do que ele realmente era. E eu só conseguia gostar cada vez mais dele e querer ser assim um dia.  Era uma pessoa admirável e com certeza tínhamos mais em comum do que achava, ele sempre estava certo. Íamos tornando cada vez mais próximos e amigos um do outro e eu gostava muito disso, nunca tinha tido um amigo assim, verdadeiro. Já estava ali há vários meses e esperava que ficasse ali para sempre.

Quando completou um ano desde a minha chegada, Antonio e o senhor Adolfo finalmente concordaram e programar a minha estréia como palhaço no circo. Eu estava nervoso e ansioso, apesar de ter aprendido muito com meu professor de palhaçadas, e ter conseguido feito um bom ensaio na frente do senhor Adolfo e do resto do pessoal do circo, e eles terem gostado da minha atuação ao lado de Antonio e os outros palhaços.

- Vai dá tudo certo cara, se preocupa não! Confio na sua capacidade, você deveria confiar em você mesmo também. – disse-me Antonio quando nos preparávamos para dormi um dia antes da minha estréia sempre com aquele sorriso marcante de sua admirável personalidade.

Ele confiava em mim. Todos confiavam em mim, era preciso que eu confiasse em mim também. Precisava fazer jus ao julgamento deles e fazer tudo isso que aconteceu comigo valer a pena. Ia dar o meu melhor na noite de estréia.

A noite da estréia foi um sucesso, correu tudo bem, tudo como tínhamos programado, a não ser por um único detalhe. Antes de Antonio e eu irmos ao camarim nos prepararmos para o espetáculo, tínhamos resolvidos tomar um pouco de café para esquentar o organismo já que estava fazendo frio naquela noite. O café foi feito por minha conta, naquele dia pois Antonio estava ocupado arrumando as fantasias do palhaço. Infelizmente naquela noite, estávamos apressados e nervosos por causa da estréia e eu acabei esquecendo de desligar o botão do botijão de gás. Um amigo nosso, o vigia que ficava rodando os trailers enquanto nos apresentávamos por precaução de roubos, tinha resolvido parar naquela noite perto do nosso para fumar um pouco.  Naquela hora o gás já invadia todo o trailer e ao redor, mas o Cláudio, o vigia não tinha sentido ainda, e jogou o toco do cigarro ainda acesso ao lado do trailer e ouve uma explosão e o trailer ficou peando fogo. Todos ficaram assustados. Era um corre corre e um Deus nos acuda. Antonio ficou muito apreensivo quando ouviu o barulho e correu em direção ao trailer que morávamos. Eu fui atrás dele.  Tentei pará-lo junto com outros artistas do circo quando vi o fogaréu no trailer e o Cláudio gritando. Eu fiquei paralisado, não esperava que aquilo acontecesse logo naquela noite, uma noite de estréia. Antonio, foi pra cima de Cláudio e tentou retira-lo do fogo mas foi em vão. Acabou que o fogo começou a se espalhar pelo gramado e atingiu outros locais do circo. Tivemos que sair dali as pressas, sem poder impedir Antonio e sua tentativa de heroísmo de salvar Cláudio e os dois acabaram se perdendo nas chamas.
Quando os bombeiros chegaram já era tarde demais, Cláudio e Antonio morreram carbonizados naquela noite. E mais uma vez a vida me tirava a alegria que ela tinha me dado. Mais uma vez eu tinha ficado sozinho, tinha se afastado de mim uma pessoa importante. Foi uma das piores noites da minha vida, chorei muito nela. Mas graças a Antonio, tive o consolo da minha nova família, os artistas do circo e principalmente um novo pai que tinha ganhado: o senhor Adolfo.

“Depois daquela noite, o senhor Adolfo, o dono do circo teve que refazer e cortas muitos custos para tentar recuperar o que tinha perdido materialmente. Passamos um bom tempo trabalhando na reconstrução do circo e dos espetáculos. A perda de Antonio tinha sido grande não só para o circo, mas para todos nós. Senhor Adolfo, me manteve sobre sua guarda com carinho, e continuou a me ensinar tudo o que Antonio não pode. Sempre guardo a lembrança de tudo que Antonio me ensinou até hoje, mesmo depois de tantos anos. Era algo que não podia deixar de lembrar, principalmente hoje. Por isso eu não deixei de derramar algumas lágrimas no fim do espetáculo. Hoje faz exatamente 30 anos que aconteceu aquele incêndio, mesmo depois da morte do Senhor Adolfo, que deixou confiado a mim a administração do circo, eu não pude deixar de fazer essa homenagem a ele, Antonio, por tudo que ele fez por mim, ter me dado um lar, uma família, e um sentido para viver.”

Eu não pude conter as lágrimas, juro. Era uma das histórias mais bonitas que alguém até ali tinha me contado. Fiquei muito feliz de poder ouvir aquilo e comentei isso com ele.

- Essa é a minha homenagem a ele, para que não só eu, mas muitos não possam esquecer o admirável Antonio. Publique essa história, eu lhe peço, e faz isso se tornar uma boa lembrança na mente das pessoas. – disse-me com lágrimas nos olhos.


Eu podia ver nos olhos dele, que aquele garotinho da história ainda era muito vivo dentro daquele senhor que estava na minha frente. Eu prometi e ia cumprir a minha promessa. Quando me despedi dele e voltei ao encontro de minha irmã e de minha sobrinha, estava sorridente e com um brilho no olhar e elas notaram isso. Eu disse que logo logo ela iam saber o porque daquilo. Na mesma semana, publiquei a história no jornal. E como era justo, teve uma boa repercussão.  

domingo, 22 de setembro de 2013

Cap. 4 - Por detrás da batina habitual.

Foi numa manhã de quinta-feira, minha irmã mais velha, Creusa, tinha me convidado pela milionésima vez para ir com ela para a missa daquele dia. Ela era daquelas religiosas fanáticas que vivem mais na igreja do que na própria casa. De tanto ela insistir acabei topando ir naquele dia. Acho que estava mesmo precisando agradecer os bons ventos soprados por algo lá em cima, de uma forma ou de outra. Estava também querendo rever meu velho amigo de infância, Otavio, a qual não via há muito tempo, o padre daquela paróquia. Tinha muitas e boas lembranças de nossa infância juntos. Otavio tinha resolvido se tornar padre logo após terminar o ensino médio, e gostava muito de estudar e saber sobre a teologia e religiosidade das pessoas, inclusive a sua. Tinha se tornado padre, por ter nascido e crescido na religião católico, mas creio eu que, teria se tornado um monge, se fosse budista ou até um pastor se fosse protestante. Ele era muito ligado a sua religiosidade seja lá qual fosse. Bem, assisti a missa como um bom fiel católico naquele dia. Ao fim, fui até a sacristia, e lá estava meu velho amigo tirando sua túnica habitual, quando me viu e abriu um largo sorriso no rosto.
- Oh graças aos céus por essa visita tão importante a um simples pároco como eu – e me deu um bom abraço.
- Quem sou eu para ser digno de louvor. Você que é a pessoa especial aqui. – dei uma risada na qual ele me acompanhou.
- Que devo a honra de sua visita, velho amigo? Há quanto tempo não lhe vejo! O que tem feito da vida? Trabalhando muito? Soube que trabalha no jornal da cidade como jornalista. – disse sentando-se numa cadeira e me oferecendo a outra.
- Ah meu amigo, vim a convite da minha irmã Creusa, você se lembra dela, e aproveitei para rever você. Sim, continuo trabalhando no jornal local, e agora depois do grande alvoroço que foi a minha ultima grande publicação sobre o assassino de aluguel, tenho trabalhado mais ainda. Acredito que você tenha ouvido falar – disse-lhe calmamente.
- Sim, sim, eu me lembro da reportagem, uma ótima reportagem inclusive, meus parabéns, mereceu a repercussão.
- Obrigado querido, confesso-lhe que foi bons ventos de sorte...
- Ou Deus – ele interrompeu com um sorriso no rosto.
- É pode ser, mas você sabe que nunca me preocupei com essas coisas. Mas como ia lhe dizendo depois dessa publicação, resolvi fazer uma reportagem sobre histórias que não sabemos dos anônimos a nossa volta, que não fazemos idéia do que viveram etc.   
- Interessante meu amigo, muito interessante – disse ele convicto – talvez eu possa lhe ajudar nesta questão, contando-lhe uma história de um colega seminarista que viveu algo que lutou contra todas as suas forças para não viver, mas caiu na tentação e mesmo assim não se arrependeu, seria algo que poderia incrementar bem seu repertório de histórias, se você quiser claro.
- Claro que eu quero meu amigo, seria muito interessante a história de um seminarista ou padre vivendo algo que não poderia viver. – disse entusiasmado pegando meu gravador que sempre levava comigo e colocando em cima da perna mais uma vez.
- Pouco depois de se tornar padre, o meu amigo, que se chamava Alberto, foi designado pelo bispo para assumir a paróquia de uma cidade não muito distante daqui. Era uma cidadezinha pequena, mas bem desenvolvida. Lá ele encontrou muitos afetos e foi muito bem recebido pela comunidade católica. Suas missas eram sempre cheias e ele sempre ajudava aqueles que necessitavam, até mais do que podia. Depois de três anos fazendo belíssimo trabalho para os fieis, era muito bem reconhecido por causa disso, e por isso certa vez, ele foi convidado para passar uma semana para contribuir numa ação beneficente não só com ajuda em atendimento aos necessitados, mas como ensinar aos que estavam iniciando como proceder com tal ação beneficente, em um convento que tinha como nome Anjo de Graças numa cidade vizinha a qual ele morava que fazia ações assim pelo menos uma vez a cada dois meses.
Lá ele conheceu a madre Aristides que administrava o convento, e se deu muito bem com ela. Uma mulher já de idade, mas muito simpática, que mostrava que tinha muitas idéias em comum com ele. Ele foi apresentado aos cômodos do convento e aos moradores, desde voluntários, algumas pessoas que recebiam ajuda delas, e as freiras. Dentre elas, a madre Aristides apresentou as principais ajudantes, que eram Olivia, Sara e Emanuela. Dentre elas, Olivia foi a que lhe chamou mais atenção pelo seu carisma e beleza de seu olhar acompanhado de seu sorriso que faziam bem a qualquer um que a olhasse. Ele ficou encantado com ela, mesmo tendo que guardar aquilo só pra ele. No mesmo dia a tarde, ele dera uma palestra aos voluntários sobre como ajudar com amor e dedicação sem querer nada em troca Foi muito bem aplaudido. Assim que terminou sua primeira palestra Madre Aristides designou Olivia para acompanhá-lo aonde quer que ele fosse e o ajudá-lo naquilo que ele precisasse. E assim ela o fez.
Estavam sempre juntos, mais do que deviam, e acabou que começaram a conversar e se conhecer cada vez melhor. Alberto se encantava cada vez mais com os gestos, palavras, pensamentos de Olivia a cerca de tudo. Via nela algo de surpreendente e que não tinha visto em nenhuma mulher que tinha acontecido até então. Não sabia bem o que era, mas só sabia que aquilo vinha crescendo dentro de si e que mesmo contra toda sua vontade desejava cada vez mais está com Olivia, perto dela. À noite, ele rezou várias vezes o terço a procura de uma coragem de lutar contra aquele sentimento que o estava dominando. Sabia que aquilo era errado, que era contra os preceitos da igreja, e não podia nem estar pensando naquilo. Mas mesmo assim, de manhã, quando viu Olivia novamente desejo que por um momento eles dois estivessem num outro lugar e que não estivesse a serviço da igreja para poder se entregar ele a ela, e ela a ele.
- Bom dia Padre Alberto, gostaria de tomar seu desjejum agora? – perguntou ela carinhosamente quando ele entrou no salão do refeitório.
- Sim Irmã Olivia, eu gostaria. – ele a acompanhou até a um cadeira que estava numa das grandes mesas presentes no local – você vai me acompanhar ou você já se comeu? – perguntou até mesmo sem querer.
- eu já tomei meu desjejum, mas posso sentar convosco para acompanhá-lo se assim desejar para não ficar sozinho. – disse sorrindo.
À tarde, os dois deram uma volta no campo em frente à entrada do convento, e Olivia contava o motivo de ter se tornado freira.
- Tudo começou por uma desilusão amorosa muito grande, estava prestes a me casas, quando fui traída pelo meu noivo. Descobrindo que ele realmente não me amava, e que só estava casando por interesses materiais. Eu era nova na época, e achava que tinha encontrado o amor da minha vida. E estava tão enganada, pobre de mim. Tempos depois, comecei a desacreditar no amor verdadeiro entre um homem e uma mulher. E acreditava somente no amor de Cristo por nós, por isso resolvi amá-lo com todas as forças por que saberia que ele nunca iria me decepcionar. E aqui estou. Tentando fazer o melhor de mim por Ele. – disse com o olhar perdido ao longe.
- Confesso que não imaginava, mesmo sabendo que existem muitos casos assim. De pessoas que acabam se desenganado de amores não correspondidos, ou de outros problemas internos. Hoje você se arrepende da escolha que fez? – perguntou Alberto, sincero.
- Não, claro que não. Acho que não poderia ter feito escolha melhor – ela respondeu carinhosa – me sinto realizada, ajudando aqueles que precisam e eles me ajudam a entender melhor a mim mesma de uma forma ou de outra.
- Será que depois de tanto tempo, você hoje acredita que possa existir amor entre um homem e uma mulher, digo, amor de verdade? – perguntou meio envergonhado sem saber se deveria mesmo ter feito aquela pergunta.
Ela o olhou curiosamente e respondeu:
- Não sei, achava que não, mas agora...
- Mas agora...? – ele perguntou curioso e desejando que ela lhe correspondesse no intimo, olhando no fundo dos seus olhos.
Ela virou as costas e disse-lhe
- Precisamos ir, está quase na hora da merenda do pessoal, eu preciso ajudar.
- Vamos, é melhor mesmo. – disse a acompanhando em silêncio, perdido nos seus pensamentos.
A noite, Alberto, não conseguiu tirar da cabeça aquele momento que teve mais cedo junto a Olivia. E já estava sem saber o que fazer. Se aquilo era certo, se era uma coisa realmente abençoada por Deus ou era uma tentação do diabo.
Não sabia ele, que Olivia está nutrindo por ele os mesmos sentimentos, e isso estava causando uma frustração ainda maior nela do que nele.
Ela rezava em seu quarto a noite inteira assim como ele, pedindo uma orientação, uma inspiração divina qual o melhor caminho a tomar, qual melhor escolha fazer. No outro dia, a dúvida lhe corroia o intimo, e isso a prejudicava nos trabalhos habituais, e a madre Aristides não pôde deixar de notar.
- O que está acontecendo com você irmã Olivia? Parece está mais distraída hoje que o normal, e isso não é uma coisa de seu feitio. – disse-lhe a madre numa conversa particular.
- Perdoe-me madre, acho que estou com uma dor de cabeça só isso. Passará com a graça de nosso senhor Jesus Cristo.  – disse de cabeça baixa com medo enorme de a madre descobrir o que se passava em seu intimo.
- Vá para o seu quarto se assim achar melhor, descance, acho que tem trabalhado demais nestes últimos dias, talvez seja isso.
- Sim madre, talvez seja sim, mas não posso deixar de ajudar a todos aqui. – disse sincera.
- Não se preocupe com isto irmão, melhore e você poderá trabalhar ainda mais – disse colocando a mão sobre sua cabeça.
- Então, com sua permissão irei me retirar para o meu quarto e mais tarde voltarei me sentindo bem melhor com certeza! – disse sorrindo grata por aquela sugestão.
- Vá, e que Jesus lhe cure minha filha! Para ajudar ainda mais aqueles que precisam, Deus abençoara sua boa vontade! Fique com Deus – e sai andando a encontrando das outras freiras que estão no salão principal.
O seu quarto tinha uma janela que dava a vista ao jardim da entrada do convento. Estava há observar o dia lá fora, e pedindo a Deus para lhe ajudar a resistir àquela tentação de ir contra seus preceitos, quando alguém bateu na porta de seu quarto.
- Quem é? – perguntou indo ao encontro da porta.
- Sou eu irmã Olivia, padre Alberto.
Ela gelou por dentro. Era a pessoa que menos queria ver naquele momento. Mas não poderia de maneira nenhuma transparecer qualquer sinal do que se passava em seu intimo.
- Padre me perdoe, mas estou um pouco indisposta, e gostaria de ficar um pouco sozinha. – disse o mais educadamente que pôde.
- Irmã, perdoe-me por incomodá-la, mas vim a pedido da madre Aristides para ver como você estava, e vim para fazer um pouco de companhia caso sinta algo pior. – disse Alberto desejando que ela o permitisse entrar.
Ela relutou um pouco, mas deixou-se vencer pela vontade de ficar perto daquele que estava fazendo lembrar-se do que é amar um homem, mesmo que esse homem estivesse longe de seu alcance.
Quando ele entrou no quarto, ela foi novamente até a janela, e sentou-se numa cadeira que havia em frente a uma arrumadeira. Ela o pediu para se sentar em sua cama, pois o quarto era pequeno e não tinha outra cadeira.
- Como você está? – perguntou ele olhando carinhosamente para ela.
- Apenas um pouco indisposta. Ando com a cabeça meio cheia de pensamentos indevidos que precisam ir embora. – acabou se confessando e indo até a janela.
- Isso tem haver com a nossa conversa de ontem irmã? – perguntou levantando-se e olhando para ela.
- Não sei padre, minha cabeça está confusa, não sei o que está acontecendo. Tenho pedido muito a Deus que me ajude, mas a situação está complicando. – disse tristemente.
- Eu também ando pedindo muito a Deus que me ajude a entender o que eu estou sentindo – disse ele abertamente e querendo que ela o correspondesse, já tinha acontecido e não era de voltar atrás.
Ela realmente ficou surpresa com o que ele tinha dito, tanto que virou para olhá-lo por um segundo e voltou seu olhar para o jardim lá fora. Ela não sabia o que dizer, ele estava lhe correspondendo o intimo, e não sabia o que fazer. Se alguém descobrisse aquilo seria catastrófico.
- Perdoe-me se estou lhe pressionando de alguma maneira. Mais não consigo lutar contra aquilo que assinala meu coração Olivia – era a primeira vez que ele a chamava só pelo seu nome. Ele se aproximou dela.
Ela ficou mais nervosa do que devia, e não se conteve a rapidamente ir até a porta.
- Não padre! Isso é errado, muito errado. Não faça isso comigo, não me faça fazer Algo que não é possível para nós.
Ele se aproximou mansamente e a tocou em sua mão direita. Levou-a até sua boca a beijou de leve.
- Eu não estou pedindo que faça nada querida, só que não lute contra o que é inevitável. Lembre-se que não é preciso ninguém saber. E isso é muito mais do que uma simples atração carnal, vai além da alma, vem do fundo coração.
Ela não resistiu àquela voz sedutora e o desejo dela de tê-lo em seus braços, os dois se beijaram ali pela primeira vez.
Ele a deixou com um beijo de despedida, e uma certeza de um reencontro. Eles sabiam que deviam fazer tudo no maior sigilo, por que não podiam ser pegos indo contra os preceitos da igreja católica a que seguiam. Mas o amor deles era maior.
Encontravam-se de madrugada, quando todos dormiam. No último dia antes de Alberto ir embora, os dois estavam no quarto de Olivia, conversando abraçados perto da janela, contando um para o outro sobre sua vida antes daquele momento e conseqüentemente a vida que se seguiria depois daquele momento.
- O que vamos fazer querido? Não podemos abandonar nossa missão com a igreja assim de uma ora para outra, seria um escândalo.  – disse se virando para olhar em seus olhos.
- Eu sei amor, mas talvez nós possamos fazer com que ninguém desconfie de nada, se um sair antes do outros em tempos diferentes.  Se você quiser assim, sair primeiro, e esperar um tempo para enfim ficarmos juntos com a benção de Deus.
- Eu sei que posso te esperar, mas será que Deus irá mesmo abençoar nossa união? – perguntou preocupada.
- Sabe muito tempo, me perguntei isso também, mas Deus não condenaria algo que trouxesse felicidade para mim e para você, e também não deixaremos de amá-lo e nem de ajudar aqueles que necessitarem de nós. O único detalhe é que participaremos apenas como leigos e não como missionários como somos agora.
- É você tem razão, isso faz sentido! Espero que você esteja realmente certo. A cada dia fico mais apaixonada por você Alberto. – disse-lhe depois dando um beijo.
- O que vai mais doer, é ter que passar tanto tempo longe de você – disse-lhe Alberto olhando em seus olhos.
- Vai passar rápido, são só alguns meses, no máximo um ano. Vai valer a pena essa espera toda você vai ver. Lembre-se iremos manter contato e você poderá ir-me ver quando quiser aonde vou morar quando sai daqui e eu o mesmo.
Como combinado, no outro dia Alberto voltou para sua paróquia e continuou fazendo o papel que lhe cabia na igreja e sempre um pouco mais. Um mês depois do dia da volta de Alberto, Olivia saiu do convento e foi morar numa outra cidade vizinha deonde Alberto era padre. Os dois se viam de vez em quando, e quando não podiam se ver trocavam cartas, mas sempre mantém contato.

- Até hoje? – perguntei a meu amigo Otavio.
- Sim meu amigo, até hoje, e está quase chegando o dia de Alberto deixar de se padre, e ir encontrar com Olivia para saírem juntos mundo a fora para viverem juntos finalmente. – disse ele com os olhos brilhando.
- E quando é a previsão da saída do padre Alberto da igreja? – perguntei-lhe curioso.
- Bem, pelo que sei, é daqui a uns dois meses, pelo fato dele querer deixar bem administrado os projetos sociais que ele tem na cidade que ele é pároco. Ensinando e coordenando bem aqueles que vão ficar em seu lugar enquanto o outro padre não chega para ajudar.
- Ah! Muito bom! Espero que ele seja feliz com sua escolha! E que dê tudo certo para ele em sua nova vida. – disse abrindo um largo sorriso e sendo realmente sincero.
- Ele será meu amigo, ele será – disse Otavio convicto – e você vê se não some de novo. Mande noticias, por telefone, carta, seja lá o que for, mas não deixe de se comunicar ta bem?
- Está bem Otavio, pode deixar! Vou lhe manter informado sobre tudo – rir e dei um abraço forte nele.

Fui-me embora contente por ter conseguido mais uma história para minha reportagem, e isso significava que meu objetivo estava dando certo. E que história eu tinha conseguido! Era algo que não se via muito por ai acontecer. E é disso que gosto, que as pessoas busquem ser felizes sem se preocupar com as opiniões alheias.
Passando-se muitas semanas desde aquele dia, minha irmã Creusa trouxe-me a noticia de que o meu velho amigo Otavio tinha abandonado a batina e saído da igreja, indo morar Deus sabe lá onde e nem o porquê daquilo. Estava mais feliz do que nunca naquele momento, por saber que quem tinha vivido aquela história que ele tinha-me contato, era ele próprio. Eu comecei a rir de felicidade, e ela ficou doida perguntando-me por que eu ria de uma desgraça daquela, mal sabia ela que eu sabia onde ele tinha ido e o porquê de ter abandonado a igreja: para ser ainda mais feliz do que já era. Para evitar qualquer tipo de frustração para meu amigo, resolvi deixar os nomes fictícios que ele mesmo dera assim ninguém saberia que aquela história tinha sido vivida por ele, tirando a mim.

Quando mostrei as histórias que tinha conseguido até ali, meu chefe, o Sr Artur, mandou-me continuar a procura dessas histórias, queria fazer uma reportagem especial com todas elas no mês de aniversário do jornal. Fui eu assim outra vez a procura de outra pessoa interessante para adicionar ao meu acervo uma história boa de contar, se iria encontrar ou não, só os bons ventos da sorte iriam me dizer. 
Cap. 3 – Um amor de conto de fadas.

Alguns dias depois, eu estava na praça do centro, aonde sempre vou agora quando tenho folga, e me sentei para pensar sobre tudo o que me aconteceu nos últimos tempos. Do nada, uma moça de 20 e poucos anos se sentou ao meu lado. Era morena, branquinha, vestia-se casualmente, e no pé um all star amarrotado.
Ela abriu um sorriso, e seus olhos brilharam.
- Sabe você me lembra muito uma pessoa. Você se sentou no mesmo banco que eu e ele nos sentávamos todo dia para conversar e namorar um pouco. Eu nunca imaginei que viveria algo assim – ela olhou para frente como se tivesse revivendo aquilo que dizia – faz muito tempo que isso aconteceu.
Aquilo me pegou de surpresa, rapidamente peguei o meu inseparável amigo, o meu gravador, e coloquei em cima da perna, e pedi para ela contar essa história, se sentisse a vontade.
- Foi assim um dia como esse, o sol estava quente, então resolvi sentar-me aqui neste banco. Quando me dei conta, tinha um rapaz sentado ao meu lado. Lindo, cabelos morenos, olhos claros, branco, vestido que nem eu casualmente, e com aquilo que não poderia faltar num rapaz pra mim: um belo all star – ela deu um sorriso bobo – ele disse oi, e eu também. Foi um momento mágico, era como se já conhecêssemos a séculos, e que nos completávamos de um jeito ou de outro.
Eu perguntei como era o nome dele, depois que ele fez o mesmo, não ia dizer enquanto não soubesse o dele primeiro.
- O meu nome é Othon, e qual o seu nome minha linda? – ah! Ele me fez sorrir agora, tanto pelo nome lindo que ele tinha e por ele ter me chamado de linda... Ninguém tinha me chamado assim há muito tempo.
 – O meu é Priscila.
A partir daí começamos a conversar, sobre praticamente tudo, fomos aos poucos nos conhecendo. Quando vi, eu já sabia mais dele do que de mim mesma. Não acreditava naquilo, era muito bom para ser verdade, para acontecer comigo. É raro alguém se interessar por mim. E quando se interessa, só quer saber de sexo e olhe lá. Eu sou uma menina romântica sabe? Eu queria um príncipe encantado com quem pudesse ser realmente feliz. E ele tava me mostrando isso aos poucos. Com o passar dos dias, a gente resolvia se encontrar no mesmo lugar de sempre, na praça central, no banco em baixo da arvore florescida. Todo dia que nos encontrávamos, ele me contava algo novo que surgia em sua vida, e eu ficava admirando-o a facilidade que ele tinha de me fazer rir, de me fazer se sentir bem. Era perfeito, às vezes não nos falávamos nada, mas o simples fato de estamos perto me fazia bem, como há muito tempo não me sentia. Certo dia, ele me trouxe uma rosa de presente.
- Que linda! Obrigado querido! – eu disse cheirando a rosa.
- É para você lembrar-se dos nossos encontros, de mim, de nós. – pegou no meu queixo e seu olhar se encontrou com o meu pedindo uma coisa que não relutei em dar.
Beijamos-nos pela primeira vez ai, e foi perfeito, perfeito até demais.
No fim daquela semana, eu recebi uma ligação do Othon, pedindo-me para encontrá-lo no lugar de sempre. Assim o fiz. Quando cheguei, ele estava sentado, com os braços encostados em suas pernas e de cabeça baixa.
- O que foi Othon? Está tudo bem? – perguntei um pouco aflita.
- Eu preciso te dizer uma coisa - disse ele sério.
Um pequeno de momento de silêncio se estendeu entre a gente, coisa que parecia que nunca ia acabar. Ele olhou em meus olhos e disse aquilo que nunca esqueceria em minha vida:
- Eu estou completamente apaixonado por você.
Eu não soube o que dizer. Fiquei perplexa, não esperava aquilo, de verdade. Era totalmente novo pra mim, talvez eu sentisse o mesmo, mas não saberia dizer ao certo, foi então que o perguntei o que tinha duvida.
- O que há de problema nisso Othon? – perguntei docemente pegando em seu queixo, olhando dentro dos seus olhos, neste momento tive certeza que o meu sentimento por ele era o mesmo que ele sentia.
- Tenho medo do que pode acontecer, de tentar e de sofrer – disse ele fraquejando nas palavras. Foi então que percebi que ele estava esperando por mim esse tempo todo do mesmo jeito que eu estava esperando por ele.
- Eu te amo seu bobo não vou fazer você sofrer nunca, eu quero vê-lo bem, quero ver a gente bem um com o outro. Isso que importa pra mim, e deve importa pra nós.
Ele me beijou, o mundo parou neste instante, e tudo que eu queria era que aquele momento não passasse que eu não tivesse que voltar para meu mundo real onde só tinha sofrimento, onde só tinha raiva, onde minha mãe estava esperando em casa para fazer-me sentir horrível. Sozinha. Mas como tudo que é bom sempre passava, esse também passou.
- Eu quero ficar com você para sempre. Fica comigo? Quer namorar comigo?
- É claro que eu quero meu amor, é claro que eu quero! – e nos beijamos mais uma vez.
Ficamos ali por um bom tempo, abraçados, esperando o anoitecer chegar, e o dia se despedir da gente.
Minha mãe ligou-me preocupada querendo saber onde eu estava. E tive que ir para casa.
- A gente se ver amanhã? – perguntei.
- Sempre – respondeu ele.
Quando cheguei em casa, minha mãe disse que estava cansada desses meus sumiços, de ficar preocupada, e perguntou o que estava acontecendo, aonde eu ia. Eu respondi que ia procurar ser feliz longe daquilo, longe dela. E ela começava a chorar, e eu me dirigia para o quarto. Sempre era assim, minha mãe nunca me entendia, nunca soube o que acontecia comigo, e era melhor assim.
Eu e o Othon continuávamos a nos encontrar sempre. Até que um dia ouvi minha mãe, ao telefone, enquanto escutava perto do hall da sala, no qual falava com alguém, contando que estava preocupada comigo, que eu vivia trancada no quarto, não estava comendo quase nada, e quando saia não dizia para onde. Eu não sabia com quem ela estava falando. Mais entrei e resolvi perguntar de cara.
- Com quem você está falando? – perguntei seriamente a ela.
- Eu tenho que desligar – falou no telefone – eu estava pedindo a ajuda pra você. Você não está bem, e você não me deixa te ajudar. – perguntou ela olhando pra mim aflita.
- Eu estou muito bem, não preciso de sua ajuda. Você não precisa se preocupar, e é bom você parar com essa loucura de imaginar problemas que não existem, me deixe em paz!
- Filha, você não está bem, deixa eu te ajudar, por favor! Eu te amo não quero ver você se afundando em um buraco sem fundo. – disse ela quase chorando.
Eu saí de casa, não agüentava ver nem ouvir a minha mãe, ela estava me deixando louca. Liguei para o Othon, e marcamos de nos encontrar. Já cheguei chorando em seus braços, o bom era que não tinha quase ninguém na praça, e pude desabafar minhas mágoas com ele. Ele claro ouviu cada palavra, sem dizer nada, e me abraçou fortemente. O seu silêncio e abraço eram o bastante. Era tudo o que necessitava naquele momento... E tudo o que eu tive!
Passei um bom tempo conversando com ele depois disso, tentando me acalmar e relaxar.
Ele era o único que me entendia. Eu tinha largado a escola por ninguém gostar de mim e só me ridicularizar por eu ser como eu sou. Sozinha. Minha mãe trabalhava demais e deixa-me por conta própria até pouco tempo, por achar que eu estava “precisando” mais dela. Besteira. Eu tinha sobrevivido até ali iria sobreviver sempre. Ela já estava me enchendo o saco. Sério. Despedi-me do Othon e fui para casa, chegando lá, corri direto pro meu quarto, não está a fim de encarar minha mãe de novo. Pelo menos por enquanto. Passou um tempo, eu preferi ficar em casa uns dias, e falei com o Othon só por telefone mesmo. Era melhor assim, não tava com ânimo para encarar ninguém. Via de vez em quando a sombra da minha mãe pela fresta da porta. Só sai pra comer alguma coisa e voltar pro meu quarto. Chegou uma hora que minha mãe não agüentou – me acredito pelo fato dela ter ficado histérica – e bateu na minha porta obrigando-me a sair, por que eu tinha uma visita. Fiquei me perguntando quem era. Ninguém nunca ia me visitar, e o Othon, eu pedi que ele nunca viesse aqui por causa da minha mãe. Não queria que ela soubesse a respeito de nós dois. Sabe?

Ela então olhou pra mim tentando encontrar compreensão em meus olhos e eu simplesmente assenti. Eu podia entendê-la de uma maneira ou de outra. Via naquela garota, uma menina frágil, sofrida, necessitada de afeto. E só o que pude sentir foi compaixão. Coloquei a minha mão em seu ombro e pedi para que prosseguisse, e assim ela fez.

“Quando desci para sala, havia um homem velho, de óculos, cabelo branco, bem arrumado sentado no sofá. Fiquei me perguntando quem era, até minha falar.
- Pri, esse é o Dr. Eduardo, ele veio aqui para conversar com você.
Eu não esperava aquilo.
- Um doutor? Doutor de que? – perguntei parada em frente a minha mãe.
- Eu vou sair deixar vocês conversando a sós – se levantou e foi para a cozinha.
- Sente-se querida, fique a vontade. Não vou lhe fazer mal! – ele apontou para o sofá a frente dele.
Eu me sentei mais por educação, do que vontade de conversar.
- Eu soube que você não está saindo mais do quarto, por que você quer ficar trancada? – perguntou-me olhando para mim. Acho que ele estava muito mais do que só olhando, estava mesmo me observando!
- Para falar a verdade? Eu só quero ficar sozinha, queta, sossegada, não é pedir demais é? – disse sinceramente pra ele.
- Não minha querida, mas convenhamos que o excesso dessa atitude é preocupante, você pode não está enxergando neste momento, mas nós podemos lhe ajudar – disse-me colocando os cotovelos em cima das pernas e cruzando as mãos, olhando pra mim.
Eu ri.
- Meu senhor, com todo respeito. Quem deve ta precisando de ajuda é minha mãe por ta imaginando coisas que não existem. Eu estou bem, bem demais até! – eu me levantei – com a sua licença, deu pra ver que não vamos muito longe, e eu não to a fim de conversar, então, até mais. – e sai.
Quando ia saindo na porta vi minha mãe passando triste, vendo que intento dela não tinha tido frutos.
Eu liguei pro Othon, e ele foi ao meu encontro na praça. Eu estava brava com minha mãe. Ela tava indo longe demais.
- Calma querida, sua mãe só ta preocupada com você. Você tem comido direito? Parece está tão magra... – disse ele abraçando-me
- Até você vai-me regular agora? – disse olhando bem séria.
- Não amor, mas você está começando a ficar diferente. Acho que você devia escutar um pouco a sua mãe. Se não por ela, faça por mim ou por você mesma. – disse calmamente.
Eu fiquei pensando naquilo. O silêncio invadiu o momento, e ficamos ali um do lado do outro. Olhando mais uma vez o sol desaparecer e deixar a noite dá um Olá para a gente. Tinha fechado os olhos e aguardava o tempo passar. Calmamente.
Foi ai que de repente, me dei conta de uma coisa. Algo estava faltando ali, Othon tinha saído e não tinha dito adeus. Fiquei preocupada, sem saber aonde ele tinha ido. Como ele podia ter me deixado ali sozinha? Do jeito que estava. Levantei-me e comecei a chorar. Sentindo falta e ao mesmo tempo raiva, quando fui surpreendida com alguém tocando em meu ombro.
Quando virei para frente havia uma bela flor estendida na minha frente, e atrás dela, o belo e meigo rosto do querido Othon.
- Eu não tinha encontrado nenhuma por perto, então tive que ir ali ao fim da praça pra te dar. Desculpe, se cheguei antes de você abrir os olhos. Só queria ver novamente aquele seu belo sorriso em seu rosto. – eu peguei a flor e o abracei.
Em algum momento da vida a gente chora tanto de dor, que quando choramos de alegria ficamos extasiados e surpreendidos por aquilo existir. Ele me beijou, e ficamos assim por um belo e significativo momento. Eu o amava, ele me amava, era o que bastava pra mim.
Quando cheguei em casa, fui direto para o meu quarto e não quis ver minha mãe.
Quando cheguei no quarto, coloquei a flor em cima da cama, e tudo escureceu diante de mim. Quando abri os olhos novamente. Eu estava num leito de hospital com minha mãe sentada numa cadeira ao lado da cama encostada na parede. Perguntei-me o que tinha acontecido. Foi quando vi minha mãe se levantar até mim, olhar pra mim carinhosamente, afagando meus cabelos.
- Eu tinha ido ao seu quarto para ver se você tinha comido alguma coisa. Quando abrir a porta, você estava caída no chão. Logo, chamei a ambulância, e o médico constatou que você tinha desmaiado por está desnutrida demais.  
Eu fiquei calada. Só resolvi falar depois que minha mãe disse que eu ia ter que ticar ali algum tempo para me restabelecer fisicamente. Tudo o que eu não queria aconteceu, eu ter que ficar dependente de algo ou alguma coisa. E com minha mãe ali do lado, tendo que cuidar de mim. Argh era o fim!
Comecei a desejar profundamente que o Othon estivesse ali, comigo, e não a minha mãe. Quando minha mãe estava dormindo, liguei para e ele e contei o que estava acontecendo.
- Você não pode vim aqui, minha mãe não larga do meu pé, e eu não quero que ela saiba sobre nós... Sobre o que acontece entre a gente. Eu to bem, sério. Só vou precisar ficar aqui até que o médico fique satisfeito com minha saúde.  – vi minha mãe abrindo os olhos devagar – tenho que desligar, até mais.
- Quem era filha? – perguntou ela se ajeitando na cadeira.
- Ninguém interessante. – respondi seca.
- Me deixa eu ver seu celular? – ela se levantou.
- Não, o celular é meu, ele vai ficar comigo. Eu não quero a senhor bisbilhotando a minha vida – ela tinha conseguido me irritar.
- Ta bem, não quero brigar com você agora. Mas depois vamos conversar sobre essas ligações que eu não sei com quem é.  – ela foi até a porta e olhou pra mim – eu vou tomar alguma coisa na lanchonete, você quer alguma coisa?
- Não. Só quero que chegue logo o dia deu sair daqui.
Ela saiu e eu aproveitei para tirar um sono.
Alguns dias depois, veio um médico falar com minha mãe a respeito do meu caso. Eu fiquei alegre pensando que finalmente eu ia receber alta, e podia ir pra casa. Mas eu estava errada, muito errada.
- Ela vai ser transferida para outra unidade hospitalar que possa ajudar mais o seu caso, sua saúde física está muito melhor então já posso te liberar, agora só é preciso cuidar desse seu problema psicológico. – disse o médico olhando para minha mãe e depois para mim indiferente.
- Como assim problema psicológico? Eu não tenho nenhum problema psicológico. Eu vou pra casa. E já está mais do que na hora! – disse com raiva, e com medo do que eles iam fazer comigo sem eu poder me defender.
- Calma filha, é preciso, você vai ver como é pro seu bem. Você está precisando de ajuda e você não está em condições de responder por seus atos. Tomei essa atitude por que não quero ver você, minha única filha se destruir. – disse minha mãe com lágrimas nos olhos. Aquelas lágrimas não iam me comover tão fácil.
- Isso é decisão sua? Foi você que optou por isso? Por que você vai fazer isso comigo? Você não vê que só vai piorar a situação, é você que precisa disso e não internar sua filha sua doente! – eu realmente estava com raiva e ia fazer de tudo para não ir parar numa clinica psiquiátrica. Mais eu não ia mesmo.
Levantei-me da cama, e tentei tirar os fios que estava me ligando ao soro quando dois enfermeiros vieram me impedir.
Minha mãe começou a chorar, e eu acabei levando uma injeção de tranqüilizante.
Eles me doparam acredita? Eu fiquei furiosa quando acordei, não sabia ao certo onde estava e o que tinha acontecido.
Eu estava num lugar diferente do leito de hospital, estava em um quarto fechado, com uma pintura fria, horrível. Eu estava tonta ainda, mas pude pelo menos se sentar na cama. Quando tinha acabado de me situar no lugar, um enfermeiro com uma bandeja na mão entrou, e foi até minha cama, e me fez tomar um remédio que eu nem sabia para o que era.
- Onde estou? – perguntei pra ele.
- Você está internada numa clínica psiquiátrica da cidade. – disse me dando um copo d’água.
- O que? Não pode ser. Minha mãe não pode ter feito isso comigo, não pode mesmo! – disse começando a ficar nervosa – eu quero falar com minha mãe, cadê ela? Eu quero falar com ela.
- Toma a água, e trate de ficar queta, vai ser melhor assim. Você só pode receber visita nos finais de semana, e hoje ainda é quarta-feira. Se você começar a ficar nervosa eu vou ter que te dar um remédio pra dormir. Então é melhor se acalmar e ter paciência. 
Ele saiu e fechou a porta. Eu fiquei sem saber o que fazer. Minha mãe tinha me internado e não podia me comunicar com ninguém. Lembrei-me de Othon, não podia avisá-lo o que minha mãe tinha feito.  O que ele ia ficar pensando, que eu desisti dele ? Que eu não queria mais saber dele? Não podia!
- Oh meu Deus o que eu vou fazer – disse pra mim mesma, deitando.
Foram os dias mais terríveis da minha vida. Depois de uns dias não agüentando mais, finalmente chegou o final de semana. E pude falar com minha mãe.
Ela me disse que iria passar um mês lá, e que vinha me visitar todo final de semana, que era pro meu bem, era melhor assim. Por mais que insiste em ela me tirar dali era inútil.
Foi dias horríveis que quase que não passavam. Mas confesso que no final, eu não sei o porquê, mas estava me sentindo bem. Melhor do que antes, e estava começando a achar que minha mãe tinha razão e que aquele lugar estava me fazendo bem de uma maneira ou de outra.
Quando minha mãe me tirou finalmente de lá, eu tentei me comunicar com o Othon pelo telefone, mas ele não atendia. Só dava caixas de mensagens. Comecei a pensar que ele tivesse ficado com raiva de mim. Fiquei preocupada, ele era meu namorado e era tudo na minha vida. Eu não podia perdê-lo. Vim aqui neste banco todos os dias no mesmo horário que nos conhecemos, mas ele nunca veio. Eu não conhecia a casa dele, e nem ele a minha então ficava difícil e complicado a gente se encontrar de outra maneira. Depois de algum tempo, comecei a ficar triste, por ver que talvez todo aquele meu belíssimo sonho romântico tinha se acabado. Uma das coisas mais maravilhosas que tinha acontecido na minha vida tinha ido embora e não tinha como voltar.
Todo dia eu tentava ligar pra ele em vão, até que um dia cansei e não quis insistir mais para me magoar ainda mais. Minha relação com minha mãe melhorou muito, e as coisas iam bem. Eu estava tomando o remédio que o medico da clinica que tinha ficado internada passou e fazia tudo ficar ainda melhor. Só o que faltava era o Othon.

- Nunca conseguiu falar com o Othon? – perguntei curioso a ela.
- Na verdade, eu não conseguiria falar nem que eu tentasse e quisesse.
Fiquei me perguntei o porquê, o que aconteceria naquela história dali por diante e fiz menção dela continuar a contar sua história.

Um dia, depois de ter se passado semanas, não agüentei a ausência do Othon, e comecei a chorar em meu quarto com saudade ele, querendo que ele me ligasse ou falasse comigo de alguma forma. Minha mãe tinha ido a meu quarto chamar-me para jantar, quando ela viu meu estado e perguntou o porque deu está chorando naquele momento.

- Eu preciso te contar uma coisa, por que eu não sei mais o que fazer – eu aceitei contar para ela, porque achava que ela sabendo poderia me ajudar a encontrar o Othon de alguma forma.

Quando contei a minha mãe e pedi para ela ajudar-me a encontrar o Othon, ela me olhou com um olhar muito triste, como se temesse me contar algo de muito sério que poderia me machucar. E eu estava certa em ver isso no olhar dela, por que foi justamente isso que aconteceu.

- Minha filha, eu só decidi te internar quando eu vi que sua situação estava num nível critico. Toda vez que você saia a tarde, eu ficava preocupada por que não sabia para onde você ia e o que podia acontecer. Chegou um certo tempo, que comecei a ir atrás de você, e via de longe que você chegava até a praça central e ficava sentada num banco embaixo de um arvore grande.

- Sim, o que isso tem demais? – perguntei a minha mãe, pois não sabia aonde ela queria chegar. Mas quando ela chegou aonde ela queria, ela realmente conseguiu me assustar de uma forma inexplicável.

- O problema filha, é que quando você chegava lá, você começava a falar sozinha, a agir como se tivesse alguém do seu lado. As pessoas passavam olhando para você te achando louca. Eu não agüentei ver aquilo. Era horrível demais. Você imaginando ali alguém do seu lado, pra mim era mais um indicio de que as coisas tinham ido longe demais. No hospital quando você adormeceu depois de dá aquele telefonema , ele olhei no seu celular, e ultima ligação tinha sido feita para um número que não existia e mesmo assim você conversou com alguém. Eu soube ali que era preciso fazer você receber o tratamento necessário. Agora você vê, que não consegue falar com o seu “namorado” por que ele não existe. Os remédios impedem de você criar essa fantasia. – ela me dizia isso com os olhos cheios de lágrimas.

- não, não é possível, eu não posso acreditar! Não pode ser, não pode – eu me levantei e fiquei sem saber o que fazer. Se gritava se corria se acabava com aquele momento de alguma forma – mãe, me diz isso que não é verdade!!! – eu chorei convulsivamente, e cai de joelhos.
Minha mãe veio até a mim e me abraçou fortemente. Eu tinha perdido a única coisa que tinha me feito feliz toda minha vida. O meu grande amor Othon não existia. Eu tinha perdido o chão, tinha perdido tudo aquilo que tinha de bom em minha vida. Eu não podia acreditar naquilo.

- Ele, ele me deu uma rosa. Eu me lembro disso, como posso ter inventado uma coisa dessas? – perguntei chorando pra minha mãe.

- Eu vi você pegando a rosa filha, você foi até o fim da praça, voltou e deu a si mesma. Foi duro de assistir, mas eu vi. Eu estava lá, escondida no outro lado da rua. Você não me viu, mas eu pude ver você fazer isso.

Depois disso eu só conseguia chorar. Chorar e chorar. Minha mãe ficou comigo todo o tempo, até que eu cansei e acabei adormecendo. Quando despertei, estava em minha cama, e por um instante, vislumbrei Othon na janela, olhando pra mim sorrindo e dando adeus com o olhar. E sumiu. Tinha partido para nunca mais voltar. E isso no fim me deixou feliz, por que poderia recomeçar minha vida da maneira certa.

Eu não pude deixar de soltar lágrimas naquele momento após ela me contar tudo aquilo. Solidarizei-me com aquele momento e a abracei. Um abraço cheio de vontade e afeto.
Eu podia compreendê-la mais do que imaginava. E ela sabia daquilo. Nós sabíamos. E não importava como.

- Como ta sua vida hoje? – perguntei carinhosamente.
Ela deu um sorriso e disse alegremente:
- Hoje eu trabalho, consegui terminar meus estudos depois daquilo tudo, e comecei a trabalhar numa loja do shopping. Ano que vem provavelmente eu entre numa faculdade e siga uma carreira de escritora. É meu sonho!
- tenho certeza que vai conseguir! Tudo vai dá certo daqui pra frente – disse com um sorriso
- Obrigado, tomara mesmo. Preciso ir agora, só vim aqui para pensar um pouco e acabei encontrando você e não pude de revisitar minhas belas e significativas memórias. Obrigado por me ouvir. Estava precisando contar isso tudo a alguém – ela se levantou junto comigo, e eu abracei novamente.
- Eu que agradeço pela história. Importar-se-ia de dividir isso com outras pessoas? – perguntei pensando em adicionar a história dela a minha reportagem.
- Não, pode repassar para quem quiser. Vai até ser legal, ser conhecida – começou a rir.
- Até mais então Priscila – dei um adeus com a mão e ela se foi.

Tinha certeza que a sorte tinha sorrido pra mim naquele dia e pude ir pra casa com o sentimento de dever cumprido, e com a disposição de correr atrás de outra boa história para adicionar a minha reportagem. Esperei que a sorte sorrisse pra mim de novo, e agradeci a quem quer que fosse que ouvisse meus desejos, e que o dia de amanhã trouxesse bons ventos para minha vida de descobridor de tesouros enterrados.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Cap. 1 - Um pouco de uísque, por favor!

Eu poderia ter ido a muitos lugares quando sai no trabalho: ido a praça, no mercado, numa lanchonete, restaurante ou até mesmo no shopping. Mais naquele dia eu estava diferente, tinha acordado diferente. Estava cansado da minha rotina consecutiva dia após dia fazendo as mesmas coisas de sempre. Só que como já disse hoje as coisas estava e aconteceram um pouco diferentes do que costumava acontecer.
No trabalho, no período da tarde, fui chamado pelo meu chefe, coisa que quase nunca acontecia e se acontecia era –no meu caso – para ser demitido. Ao chegar a seu escritório ele pediu-me para eu sentar em uma das cadeiras na sua frente. Fiquei um surpreso quando ele me disse que tinha uma matéria que queria que eu fizesse.
- Sabe John, hoje acordei com certo pressentimento. Esse pressentimento me diz que hoje vamos encontrar uma boa história para podermos noticiar em nosso jornal. Ai eu pensei aqui comigo mesmo, quem poderia ir atrás dessa história? Então me lembrei de você, não sei por que você, mas como disse estou com um pressentimento então resolvi atende-lo. Quero que você saia por ai e encontre em qualquer lugar uma boa história e só volte aqui quando encontrá-la Ok?
Fiquei realmente tentado imaginar onde – pelo amor de Deus – iria encontrar uma história que fosse considerada Boa pelo meu chefe. E acredito que ele estava lendo esse meu pensamento no olhar por que disse reafirmando que não importava aonde que fosse, mas entanto que fosse uma boa história eu poderia trazer. Ele era daqueles não muito fáceis de agradar e de não se levar na brincadeira, se ele falou que era para eu fazer isso por causa de um pressentimento então realmente era. Eu então não resolvi discuti o assunto, eu apenas fiz o que caberia a eu fazer como um bom funcionário: obedecer. Sinceramente não entendi muito bem o porquê motivos ele teria me escolhido para sair por ai pra fazer uma matéria de campo e mais: sem saber nem por onde começar. Mas aceitei o trabalho sem reclamar. Vi nisso uma chance de tentar meio que provar meu valor, já que ninguém se dava o trabalho de me notar, muito menos ele. Saí da sala, fui a minha pequena escrivaninha, peguei minhas coisas e fui atrás da boa história que meu chefe tanto queria.
Peguei um ônibus – eu não tinha dinheiro suficientemente para comprar um automóvel nem usado, triste não?! – e fui ao centro da cidade. Foi à primeira coisa que veio a minha mente, o centro da cidade, onde há um grande numero de movimento humano.

Depois de algum tempo de ter descido do ônibus e procurar um lugar para comer ou beber alguma coisa – eu não tinha ainda ir almoçar e é claro que não ia desperdiçar essa oportunidade – eu estava sentando numa mesa de bar. Sim, não uma lanchonete, um restaurante, ou um mercado. Eu estava num Bar. O que para mim é de fato realmente diferente pelo fato de nunca ter tido vontade de ir a um bar. Não gostava muito de beber e de me socializar. Resolvi abrir uma exceção naquele dia. Olhei em volta e vi algumas pessoas, umas em outras mesas conversando outras no balcão, umas saindo e algumas entrando.  Mais ali naquele bar me dei conta que talvez num lugar tão comum para alguns e tão incomum para outros – como eu – poderia sair sim uma boa história. Perguntei-me quem daquelas pessoas ali presentes naquele momento poderia me dá o prazer de ouvir uma boa história.
Foi ai que percebi que vinha alguém em minha direção: o garçom.
- O senhor já sabe o que vai pedir?
Eu o olhei atentamente e disse por fim:
- Eu gostaria de ouvir uma boa história, por um acaso você teria isso para me servir?
O garçom me olhou estranhamente não entendo nada do que eu estava perguntando.
- Desculpe senhor, mas não entendi o quer dizer com isso.
- Bom, eu sou um jornalista e estou querendo escrever uma boa história, uma história pela qual vala a pena eu gastar meu tempo e o meu almoço.
Ele me olhou esquisitamente sem saber o que fazer, mas de repente como se uma idéia tivesse lhe ocorrido ou tivesse se lembrado de algo, um sorriso bonito e discreto surgiu em sua face e respondeu:
- Bom, acho que eu tenho essa história que o senhor tanto quer, gostaria de uma bebida para acompanhar?
De todas as bebidas que poderia pedir, escolhi aquela que mais me atraia paladarmente falando.
- Um pouco de uísque, por favor. – disse por fim.
- Pois não, espere um momento e trago o que o senhor pediu.
Confesso que fiquei curioso, tentando imaginar qual a história ele iria me trazer e se ele iria realmente me trazer essa história.
Após alguns 15 a 20 minutos em vez do garçom que me atendeu veio primeiramente um senhor de idade não muito alta, daria em torno de uns 35 anos. E sentou em minha mesa na minha frente.
Fiquei confuso.
- Quem seria o senhor?
- Você pediu uma boa história? Aqui está ela, bem na sua frente. – e deu um sorriso um tanto quanto sincero e alegre.
- Bem, se o senhor diz ent...
- Com licença, aqui está seu uísque senhor. – o garçom pegou os dois copos que trazia em sua bandeja e colocou-os em minha mesa, um para mim e o outro para o senhor que me acompanhava. – espero que tenham uma boa conversa.
Quando o garçom saiu fiquei olhando curiosamente o homem a minha frente, ele parecia um homem comum, mas algo em seu olhar em seu intimo tinha um mistério. Não sabia o quê, mas sabia que poderia descobrir a qualquer momento.
- O senhor disse que tinha uma história para me contar, sou todo ouvido. – disse bebendo um gole do uísque a minha frente.
- Meu nome é Mick Edward, tenho 34 anos, e estou prestes a lhe contar tudo sobre a minha vida oculta aos olhos deste mundo insano cheio de idiotas e imbecis que não sabem nem que por que estão vivendo, trabalhando e morrendo. – ele deu um riso sarcástico.
Comecei a me perguntar o que viria a seguir depois dessa declaração tão forte e revoltante.
Eu simplesmente fiquei o olhando atentamente esperando ele continuar, e assim ele o fez.
- Nasci em bellsville, um interior aqui da capital, onde quase ninguém sonha que existe, desde pequeno fui criado e educado para fazer aquilo que meu pai e minha mãe diziam que era o certo. Estudar? Nem pensar! Não tínhamos condições nem jeito para isso. Desde cedo fui obrigado a trabalhar, comecei logo que aprendi a andar e a falar meia dúzia de palavras, fazia só àquilo que tinha capacidade para fazer, conforme fui crescendo mais trabalho e mais esforço tinha que fazer. Nunca fui muito de reclamar, mas comecei a me perguntar se aquilo era o certo, se aquilo ali era mesmo o que todo mundo deveria fazer, e se nascíamos somente para isso. Chegou um momento da minha vida em que acordei e simplesmente vi que a resposta estava bem na minha cara: Não! Não pensei nem duas vezes que tinha que fazer algo em relação a isso. Foi ai que tudo começou. O outro lado de Mick Edward nasceu.

Foi ai que percebi que a história que ele tinha para me contar poderia ser no mínimo... Interessante. Chamei o garçom que tinha nos atendidos e pedi algum pestico para acompanhar o uísque. Eu ainda estava com fome, e convenhamos beber uísque de estomago vazio não é muito algo bom a se fazer. Quando o garçom trouxe uma porção de batatas fritas – algo que gostei muito por que eu adorava comer isso – ofereci ao meu companheiro de mesa – coisa que ele recusou – e pedi para ele continuar a contar sua história, e assim ele fez:

“Eu poderia te feito várias coisas: ter arrumado minha bagagem e ido embora ou conversado com meus pais sobre o assunto (o que das opções era a que menos daria resultado). Mas minha cabeça não funcionava desse jeito, não via essas coisas como opção era totalmente fora de questão, e outra eu ainda menor idade perante a lei então não poderia ir muito longe sem o consentimento dos meus pais. E é claro que eles não iam me deixar ir embora. Só me restava uma coisa a fazer, para poder eu seguir sozinho e ir embora sem precisar de nada deles. Eu tinha que me livrar de algum jeito dos meus pais. Eu simplesmente optei por aquilo que menos se espera fazer: matá-los. Seria muita simples. E ninguém ia suspeitar de nada eu pensava. Meus pais nunca saiam da roça e eu muito menos. Tudo que colocávamos na mesa viam da nossa pequena plantação. Então formei o plano nos seus mínimos detalhes. E coloquei em ação. Eu tinha 16 anos, tinha um corpo forte pra minha idade. Daria de conta do meu pai já que ele estava mais pra lá do que pra cá de tanto passar a vida toda trabalhando para sobreviver.
Eu embosquei meu pai quando estivamos na roça, sem ninguém por perto, enquanto ele usava sua enxada para lavrar a terra, eu esperei ele virar de costas e o surpreendi, o derrubei na terra, e aproveitei peguei a enxada e por um último momento o olhei e vi em seus olhos a súplica, e a surpresa sem saber por que eu estava fazendo aquilo, mas não podia hesitar, já chegara até ali e não podia voltar atrás. Comecei a dar golpes com a enxada em seu tórax até não restar mais sombra de dúvida que ele estava morto. Com o restante do dia usei a mesma enxada para cavar um buraco para enterrá-lo. Sobrando mais nenhum indicio de qualquer situação incomum ali, peguei uma flor que estava nascendo ali perto e a depositei onde o tinha enterrado. Quando cheguei a minha casa, fui à cozinha, e minha mãe estava lá cortando umas verduras para colocar no que sobrara do almoço para fazer a janta. Ela me perguntou sobre o meu pai.
- Não se preocupe a senhora vai já encontrá-lo.  – respondi.
- Como assim? – perguntou confusa.
Eu aproximei de onde ela tava, dei um abraço, eu tinha mais amor por ela do que pelo meu pai e sabia que era melhor ela morrer do que viver sozinha ali. Peguei a faca que estava em sua mão e disse um adeus e comecei a esfaqueá-la, ela lutou o quanto pôde, mas mesmo com lágrimas nos olhos eu tive que contê-la e terminar logo. Meus pais sempre viveram juntos um ao lado do outro era justo que eu os enterrasse junto também. E assim levei o corpo da minha mãe até o outro buraco que tinha feito ao lado de onde tinha enterrado meus pais. Eu não sentir nenhum tipo de remorso ou tristeza pelo que fiz. Confesso até que sentir um pouco de satisfação pelo que tinha feito, por ter alcançado meu objetivo.
“Quando voltei para minha casa, bebi um copo d’água, peguei minhas coisas, fechei a porta e saí andando sem olhar para trás.”


Após dizer essas palavras, ele bebeu um pouco do seu uísque, e eu fiz o mesmo. Eu estava sem saber o que fazer o que dizer. O que você pensaria se você ouvisse uma história dessas de um cara que você acabara de conhecer? Eu fiquei olhando para ele e ele para mim. Sabia que tinha mais coisas fiz um sinal com o copo para ele continuar e ele assentiu.


“Depois de um tempo acabei parando aqui na capital pouco tempo depois de atingir a maioridade. Para sobreviver vendia bombons na rua, não ganhava muita coisa de lucro mais dava para sobreviver. Um dia um mercador que vivia ali perto de onde eu vendia os bombons resolveu me oferecer um emprego em seu mercado por ter admirado meu esforço a fim de me dá uma chance de subir na vida. Deu-me também um lugar para dormir, era um quartinho nos fundos do mercado. Com o tempo e meu esforço acabei ganhando espaço no mercado onde trabalhava, e mais admiração do meu chefe, o Sr Euclides. Chegou certo dia que fui acordado por um barulho na frente do mercado, fui até lá e vi que tinha um homem assaltando o caixa do mercado. Eu fui devagar até onde ele estava ele aparentava está muito nervoso e não se deu conta da minha presença até então. Vi que ele estava com uma faca em uma das mãos, e eu não contive o impulso de tirar a faca da mão dele. Quando ele se deu conta de mim eu já estava em cima dele, agarrado em sua mão para tirar a faca. Lutamos por alguns instantes mais ele estava nervoso e assustado, e eu não. Conseguir tirar a faca dele e o meu instinto renasceu depois de muito tempo, deferir alguns golpes em seu estomago, e ele caiu encostado na parede do balcão do caixa, os olhos amedrontados. Quando verifiquei que estava morto, resolvi ver o que faria com o corpo. Não queria que ninguém soubesse o que tinha acontecido, fariam muitas perguntas e eu não gosto de quando fazem muitas perguntas.  Era de madrugada, e a rua lá fora estava silenciosa, sem presença de muita gente. Eu peguei as luvas que usava para o meu serviço  - eram normas do chefe do mercado – e levei o corpo para um beco que ficava no fim do quarteirão, lá estava uma lata de lixo, e joguei o corpo lá. Quando voltei ao mercado, limpei os pingos de sangue que haviam ficado no chão. E comecei a me perguntar por que não tinha deixado ele ir embora, por que o tinha matado. A resposta veio com a velocidade de uma bala: Por que eu quis. Pelo mesmo motivo tinha matado meus pais. Simplesmente por que era minha vontade. Não senti vergonha, nem arrependimento. Ao contrário: eu tinha gostado daquilo, despertou em mim um desejo de fazer de novo e de novo.

Eu simplesmente fiquei ouvindo, e tentando parecer o mais natural possível. Eu estava lá no fundo começando a ficar muito assustado com tudo aquilo que eu estava ouvindo. Eu bebia meu uísque a cada parte que ele contava, e ele fazia o mesmo. As batatas nessa hora já haviam acabado. E eu pedi outra porção. O garçom quando trouxe, veio me trazendo outra dose de uísque, como se soubesse que estava necessitando daquilo. A cada minuto as coisas ficavam ainda mais surpreendentes e curiosas. Eu era um jornalista e fazia jus a minha profissão e fiz menção dele continuar.

“No outro dia, saiu a noticia na radio e na TV local que uma pessoa tinha encontrado um corpo de um homem numa lata de lixo sem qualquer vestígio de quem poderia ter feito isso. O meu chefe perguntou se eu tinha ouvido alguma coisa durante a noite e eu neguei firmemente.
Alguns dias se passaram e algo crescia dentro de mim, a vontade de matar de novo, sentir aquela mesma sensação. Ver nos olhos dos outros a aquele olhar de terror, o mesmo que vi no olhar das pessoas que tinha matado até ali. Comecei a matar nas madrugadas quando o desejo incessante de sentir a satisfação de matar alguém ficava insuportável e não me deixavam dormir. Mendigos, bêbados, foram as minhas primeiras vitimas homens que tiveram o azar de me encontrar no meio da rua enquanto dava minhas voltas. Não me esquecia jamais de cuidar de todos os detalhes para não ser pego jamais. E assim as mortes iam sendo incessantemente sendo noticias sem descobrirem o autor delas. Acabei tendo uma idéia algum tempo depois, que aconteceram esses fatos. Pensei em ganhar dinheiro com o meu pequeno vicio. Tinha pensado nisso após ouvir uma conversa de dois homens que conversam entre si passando em frente ao mercado. Um deles tinha vontade de contratar alguém para se livrar de um “problema que tava enchendo o saco dele”. Eu poderia ajudá-lo, se ele soubesse disso com certeza me pagaria para resolver o assunto e eu ia fazer isso satisfatoriamente.
Lembrei que esse homem era comprador do mercado. Um cliente conhecido. Estava meio inseguro em tentar oferecer o serviço, se realmente daria certo, se iria acontecer do jeito que eu queria. Discrição e objetividade. Fazer. Pagarem. Esquecerem. E pronto.

Eu tinha que tentar, e iria usar da minha persuasão para ele comentar o assunto. E assim fiz quando chegou o dia dele fazer as comprar dele. Comentei com ele o assunto das mortes, e ele disse que gostaria que acontecesse aquilo com a pessoa certa, que poderia resolver muitos problemas dele. Eu ri. E audaciosamente resolvi comentar que conhecia uma pessoa que poderia ajudá-lo, só bastava ele me dá o preço certo e o endereço do problema, lembrando a ele a discrição do assunto. Ele devia está muito desejando isso pois aceitou a oferta na mesma hora. Quando disse o preço, não muito alto – era o primeiro trabalho não poderia exagerar – ele me passou o endereço dizendo que pagaria assim que o problema estivesse liquidado. Em menos de dois dias o assunto estava resolvido e eu com o dinheiro na conta satisfeito que tinha dado tudo certo. E daí em diante nunca mais parei, a fama apareceu, e tive que sai do mercado do Sr Euclides para me dedicar ao trabalho que mais gostava: matador de aluguel. 

- Você nunca foi pego? Nenhuma vez? – não resisti a perguntar olhando nos olhos dele.
- Não. Sou muito cuidadoso com minhas coisas, com os meus objetivos. – disse ele bebendo sua segunda dose de uísque.
- Quantas pessoas você matou até hoje? – perguntou curiosamente.
- 39 até agora. – respondeu tranquilamente como se estivesse falando sua própria idade.

Foi ai que me lembrei das mortes, de quais mortes ele estava falando. Eu mesmo tinha noticiado algumas das mortes no jornal local a qual eu trabalhava. Fiquei um pouco zonzo por está frente a frente com o autor daquelas mortes. Alguém tão frio de não ter pena de ninguém. no que me lembrava foram mais ou menos umas 37 mortos sem solução em cerca de 25 anos não só na cidade como na região em volta também.

- Você faz isso até hoje? Ou você parou de matar?
- Sim parei. Não faz muito tempo, mas resolvi parar por que isso não me atraia mais, virou um hábito comum e deixou de me trazer satisfação. Só mato quando é necessário agora. Quando é preciso.

Eu bebia o resto da minha dose de uísque e fiquei me perguntando qual a lição daquilo tudo eu poderia tirar. O que ele aprendeu nesta vida de matador de aluguel. E fiz a pergunta a ele, discretamente. No que ele me respondeu:

- Tudo o que somos é decorrente das primeiras escolhas que fazemos logo quando iniciamos a idade da consciência sobre a nossa realidade. Não podemos nos libertar de nossas escolhas, mas somos livres para escolher bem o que vamos fazer. A vida da gente é um campo minado onde nós mesmos escolhemos onde colocar as bombas, e ainda somos bobos em cair na própria armadilha. Eu seria um hipócrita em afirmar que me tornei um assassino por que não tive infância ou por que a crueldade e o sofrimento deste mundo me modelaram. Eu fiz tudo por que eu quis. Foram minhas escolhas. E o mundo que se dane, eu não sou hipócrita como eles. Seria ir contra tudo o que eu acredito. E nunca faria nisso nem pela minha própria vida. Porque se fosse contra tudo aquilo que eu sou eu não estaria vivendo, não seria eu, o meu não poderia viver e ai a morte já não é tão diferente disso.

Eu estava admirado. Sério. Não esperava aquilo de um matador de aluguel. Aquilo me chamou muita atenção e me fez perceber o quanto estamos errados em nossas vidas e em julgar os outros, em rotulá-los de alguma maneira. Outra coisa era ver que a gente nunca imagina as histórias que os outros passam, os conflitos, pensamentos, coisas que a gente nem faz idéia e que nunca imaginaria passar e viver.

- Fiquei curioso ainda sobre uma coisa como aquele garçom sabia que você tinha essa história para contar e por que você resolveu contar para mim. Não passa pela sua cabeça que eu possa denunciá-lo? – perguntou com um sorriso enigmático no rosto.
Ele devolveu o sorriso enigmático, bebeu o ultimo gole do copo de uísque e disse por fim:
- Algum tempo atrás, comecei a freqüentar esse bar, por ser tão perto da minha casa. Eu sempre vivi sozinho, sem precisar de ninguém, e apreciava beber uísque como estou fazendo agora. Estava cansado do habito do meu trabalho e queria algo diferente. Com o passar dos dias, vindo toda noite, comecei despertar curiosidade neste garoto que veio atender você. Ele me perguntou por que andava sozinho, e por que vinha toda noite aqui desacompanhado. Eu olhei bem para ele e expliquei que um cara como eu não tinha amigo nenhum e que não necessitava de muita coisa para sobreviver, apenas uma bela dose de uísque, uma mulher para dormir de vez em quando, e um ótimo som para se ouvir antes de dormir, o que eu fazia quando vinha aqui necessariamente. Eles tocam rock as quintas, e jazz as quartas, e no resto da semana algo de bom que se chamava bolero. E eu gosto de todo tipo de música que agrade aos meus ouvidos e eu gostava daqui. Ele perguntou se podia ser meu amigo e se a gente podia ir conversando ao longo do tempo. Eu não vi nenhum problema e estava mesmo precisando contar umas coisas para alguém. Confiei nele e contei as mesmas coisas que contei a você. Com o tempo, ele se interessou em me fazer se sentir bem, e conquistou um afeto da minha parte. E acompanho até hoje depois de 2, 3 anos.
“Ele sempre dizia que minha história deveria ser contada, ser feita um livro, era uma boa história, mas ele sabia, que eu seria preso se assim fosse, e dizia que não queria que isso acontecesse, por que eu era o único amigo que ele tinha conseguido naquele lugar. – ele olhou para o garçom que estava atendendo outra mesa e continuou – esses dias descobrir que estou com uma doença terminal. Fruto de inconseqüência com a bebida e com o sexo sem camisinha. Eu tenho AIDS. E eu nunca gostei de nada que me controlasse, nada dizia para mim o que fazer, como viver, e nem quando eu iria morrer. O garoto ainda não sabe o por que eu tinha mudado de idéia e criado a coragem de contar a outra pessoa a minha história, para alguém divulgar de alguma forma, só não sabia a quem nem quando. Hoje,  você disse para ele que queria ouvir uma boa história porque era jornalista, ele telefonou para minha casa, e disse que tinha achado a oportunidade de divulgar minha história. E por isso que contei para você. Para você ter a oportunidade de publicar aquilo que eu vivi em toda a minha vida.

Eu o olhei atentamente, e fiquei surpreso pelo desfecho da história. Uma doença terminal era realmente algo de longe penoso mesmo para alguém como ele, pelo menos eu achava. Só que uma coisa ele não me disse.

- Qual o motivo que você resolveu contar sua história? Você não vai morrer tão logo se fizer o tratamento da AIDS. Eu já tive conhecimento de casos assim – disse comendo o resto da segunda porção de batata frita na mesa.
- Você ainda não entendeu como eu reajo diante das cosias né? Eu sempre escolho minhas decisões sem depender de nada ou ninguém. não gosto da influencia de uma coisa ou alguém sobre minha vida. Eu mando na minha vida e nada vai mudar isso. Essa doença não vai escolher o dia da minha morte, mas não vai mesmo. –bateu o punho na mesa e continuou - Eu vou fazer a minha última escolha. O dia, o horário, e como eu vou morrer. Eu tenho esse direito. E a única maneira deu acabar com essa doença e pegar de volta a minha liberdade de escolha é matando essa doença. E só a um jeito deu matá-la é matando a mim mesmo. Nada vai impedir de alcançar meu objetivo. O problema é que o garoto se afeiçoou a mim e eu não quero que ele se sinta ruim por isso. Ele não consegue entender esse meu jeito de pensar das coisas e da minha vida sabe? – Disse olhando calmamente para mim.
- Eu entendo. Mas se você acha que é isso que você deve fazer, por que se preocupar com o garoto? Pelo o que você me contou você não precisa de nada nem de ninguém. – perguntei confuso.
- Não sei o porquê, mas o garoto conseguiu a minha afeição. Talvez pelo fato dele não ter me julgado e tal. Não sei. Mas acho que você tem razão. Ele vai ter se acostumar com a idéia e com o fato de não ter mais a minha presença por perto. Você tem razão, não me preocupei até hoje não é agora que vou me preocupar. Agora enquanto a minha história, o que vai fazer em relação a isso? – perguntou chegando um pouco mais perto do meu rosto.
Eu até ali não tinha pensando sobre isso, a história toda me pegou de surpresa e me fez esquecer por que eu estava ali e qual era o meu objetivo. Foi ai que me lembrei do que tinha que fazer:
- Bom, eu vou contar a sua história no jornal que trabalho, mas pra isso você precisar que você assine confirmando sua confissão, sua história,e o direito de publicá-la. Peguei tirando uns papeis da bolsa que carregava comigo.

Ele assinou sem dizer nada, e só disse uma única coisa:

- Certamente quando você publicar, eu já estarei morto, e tudo isso estará acabado. Todos os crimes agora terão solução, e essa cidade horrível conhecerá a história do assassino procurado pela justiça há tanto tempo. Espero que faça um bom proveito disso. Que isso lhe sirva de alguma coisa – disse com os olhos que aparentavam tem uma leve tristeza – Só espero que de alguma forma a vida ajude esse garoto não ser tão sozinho quanto eu. E que ele acabe não se transformando no que eu sou hoje. Um car prático e frio sem solução para a humanidade. – disse dando uma risada.

Eu olhei para o garçom e vi que ele estava olhando para nós. Fiquei imaginando como será a reação dele quando ele descobrir o que o Michael estava pretendendo. Quando percebi o ambiente ao meu redor, vi que já estava de tardezinha, e que a noite vinha por ai. Eu me despedi do Michael e agradeci pela história e desejei para ele uma boa noite.
Eu realmente fiquei extasiado sem saber o que fazer depois do que tinha acabado de ouvir, fui para a casa, de ônibus e enquanto estava sentando olhando a passagem da janela, vi o sol se despedir de hoje e fiquei pensando no Michael e sua história de vida, o que ele estava prestes a fazer. Será que eu deveria avisar alguém? A polícia talvez? Eu achei melhor não. Deixaria o Michael terminar sua vida da maneira como ele quisesse, como ele mesmo disse, ele tinha esse direito. Perguntava-me se aquela história deveria ser realmente publicada por um jornal como o que eu trabalhava. Era uma história boa demais e com muito valor para um jornal qualquer publicar que meia centena de pessoas liam.
No dia seguinte, corri para o jornal e não pedir tempo em mostrar a história para o meu chefe – que por sinal ficou totalmente surpreso e adorou a história – que mandou publicar no mesmo dia. Não minto quando digo que foi a maior venda de jornais de toda a história do jornal.
A população ficou chocada, a movimentação da cidade foi surpreendente. A polícia local foi no mesmo dia para a rua do bar onde publiquei que o tinha encontrado. Não foi muito difícil encontrar onde ele morava, e quando eles conseguiram encontrar, um monte de gente se aglomerava em meio à movimentação das viaturas policiais. Mas chegaram tarde demais. Michael já tinha se matado, e segundo disseram, parecia ter feito na noite anterior. Morreu do mesmo jeito que matava suas vitimas, com a mesma arma, mesma situação, no quarto, com um tiro na cabeça.

Quando cheguei a minha casa e liguei a TV, noticiavam que a história do homem que tinha se suicidado em casa, e que era o autor de vários crimes que tinham acontecido na cidade e na região até a pouco se solução. Em seu quarto foram encontradas várias fotos e uma agenda com nomes, endereços das vitimas e o preços dos pagamentos feitos pelas mortes. O corpo tinha sido encontrado após a polícia saber da publicação da matéria pelo jornalista Cesar Coelho, no jornal local. Desliguei a TV e fiquei um tempo olhando lá fora da janela. Isso tudo que tinha acontecido tinha me dado outra sensação. A sensação de olhar para as pessoas a minha volta e imaginar que histórias estavam ocultas em suas mentes, suas memórias. Que histórias surpreendentes como a de Michael poderia se encontrar por ai, até mesmo num ônibus meio cheio de gente no qual eu andava na ida pro trabalho e na volta para casa. Fiquei curioso para descobrir, e resolvi ir atrás delas, das histórias que ninguém conhecia, mas que gostariam de ouvi-las de conhecê-las. A partir daí começou a minha busca para desvendar os mistérios da vida humana e seus desígnios infindáveis. E assim começou a minha história, ou pelo menos a parte interessante dela.